2 anos depois de ter começado esta estonteante aventura, o George vai finalmente desvendar os mistérios que o envolvem. Para já, os 14 capítulos que antecedem o grandioso final.
Capítulo 1
Contemplava-os com olhos envelhecidos, cheios dessa alma de
garoto de 15 anos, enquanto entravam no relvado. Daqui vejo-os distantes, como
os anos que se passaram. O calor da multidão lembrava-me África. E vinham vendedoras
de mangas – a Marialva - doce como as
mangas que vendia, e as mangas, ainda verdes, recordam-me o relvado desta
reminiscência. Como é bonito o futebol.
- duas bancadas abaixo, na pedra gelada, dois fulanos
debatiam
É a guerra civil de Espanha, não vês que é a guerra civil de
Espanha?! Picasso era assim, paranóico. O cheirinho a paelha chamou-me à
cozinha. D. Eulália, de pés descalços, fazia ecoar no soalho da casa o peso dos
seus 70 anos. O Céu era como o de África naquela tarde de futebol. Duas bilhas,
um conto de rei, e pessoal à pancada na TV.
A aurora despontou no dia seguinte. Raios de sol penetravam
a sombra das árvores que se erguiam ao fundo do jardim. Era terça-feira e
acordei com comichão na gaita. Levantei-me, cocei-me, e vi duas moscas a
falecer depois de um voo desenfreado – o último das suas vidas – contra o vidro
daquela janela daquela casa que ficava ante aquele jardim onde se encontravam
as árvores penetradas pelos raios de sol da aurora. A vida é assim mesmo. Pelo
menos a das moscas.
Capítulo 2
Os dias sucediam-se, uns após outros. As semanas também,
acabava uma, logo vinha outra. O mesmo se passava com os meses. Os anos já
demoravam mais um bocadinho...Viera um padre, na quarta-feira após o desastre,
fazer as honras fúnebres dos malogrados insectos. Que descansem em paz.
Quantas vezes olhei para o céu dessa África negra. Foram 7.
A morte acontecia como acontece outra merda qualquer. Uma folha solta-se de um
ramo, voa até poisar, para de novo levantar voo e voltar a poisar. Ainda sentia
comichão na gaita, por isso entrei, para dentro, e lá estava D. Eulália a
cantarolar em japonês – velho hábito tinha esta senhora -, muito culta por
sinal.
Três quartos de hora mais tarde, ainda durante essa tarde,
que se fazia já bem tarde, saí, para fora. Estava um sol de fim de tarde, mas
não era muito tarde, pelo menos não tão tarde como pensava. Voltei a entrar,
para dentro, porque afinal ainda tinha tempo. Peguei no livro do Bukowski – que
era meu, mas quem o tinha escrito tinha sido ele -, e resolvi meditar um bocado
sobre o seu Saber. Dizia ele, na página 47: “ George começou a soltar gemidos
debaixo do lenço, em cima do fogão da sala. Marty tirou os slips de Rutie.
Puxei Dawn para mim. Era bela e jovem e tinha alguma coisa lá dentro dela.
Podia apaixonar-me outra vez. Era possível. Começámos a beijar-nos. Caí ao chão
dentro dos seus olhos. Depois levantei-me e comecei a correr. Sabia onde
estava. Uma barata e uma águia estavam a fazer amor. O tempo era um louco a
tocar banjo. Continuei a correr. O seu longo cabelo caiu-me sobre a face. –
Hei-de matar toda a gente! – gritou a pequena Anna. Eram três horas da manhã e
ela ainda estava a barafustar dentro da gaiola”.
Capítulo 3
Pousei o livro. Enchi meio copo de whisky – a outra metade
ficou totalmente vazia -, acendi um cigarro. Não o fumei, achei apenas que
ficava bem neste contexto acendê-lo. Apaguei-o – o contexto já é outro, e as
pessoas desta narrativa não apreciam o fumo -, fui abrir a porta que, não
estando batida, tinha sido batida. Bateram nela e eu abri-a.
- Como estás George?
- Olá Christine –
respondi.
- A D. Eulália disse-me que estavas de saída, venho
interromper?
- De saída?! Ah...pois. Bom, estava. Pensei que estava na
hora de sair, mas afinal o tempo é um louco a tocar banjo. Para onde iria eu?
- Voltaste a beber, George?
- Nunca deixei a bebida Christine. Desde que me deixaste a
minha vida é isto, beber e fazer funerais a insectos. Morrem às centenas todos
os dias. Dão muito trabalho. Estou a ficar velho e com comichões na gaita. E
tu, como tens passado?
- Conheci o amor da minha vida.
- Quem é o agoirado? É rico o gajo? Só pode!
- Não. Chama-se Sarah e é campeã nacional de rugby.
- Vai-te embora. Ao sair encosta a porta. Antes de ires dá
dois saltos, rebola-te no tapete de entrada, parte o aquário que está nessa
mesa e espreita pela janela. Se vires lá fora que ainda é dia, põe-te no
caralho. Se for noite volta aqui, acende-me um cigarro e coça-me a gaita – à
noite é quando tenho mais comichão -, depois beija-me de fugida e foge de
seguida, senão mato-te.
Christine fugiu de seguida - era noite. Ao passar na cozinha
disse adeus em japonês à D. Eulália.
ZZZZZZzzz......splashhhh! À noite é quando elas morrem mais.
Sorvi mais um bocado de whisky, apaguei o cigarro e
deixei-me adormecer. No dia seguinte havia mais um funeral e a minha mulher era
lésbica.
Capítulo 4
Eram 3 horas da manhã. Acordei sobressaltado com um sonho
estranho. Vou relatá-lo:
Estava eu a preparar mais um funeral quando tocam à
campainha. A D. Eulália estava ocupada a ensinar cantigas de embalar japonesas
a um estranho de bigode farfalhudo. Fui eu quem abriu a porta. Do lado de fora
estava um vendedor de opiniões.
- Boa tarde. – disse ele.
- Não gosto do seu aspecto, o que quer? – respondi.
- Estou a vender opiniões. Sabe, é um negócio com futuro. Eu
não tenho uma que seja inteiramente minha, mas adapto-me muito bem e vendo-as
com facilidade. Quer comprar?
- Parece-me um negócio da treta. Mas olhe, deixe ficar o seu
ar pretensioso aí fora, descalce-se, bata-me continência e entre, para dentro,
com um salto de pés juntos sem flectir os joelhos. É capaz?
- Ora essa, claro que sou! Afinal do que é que eu não sou
capaz?
Mal acabou de dizer isto, ainda com um dos pés calçados,
estende-se-me ao comprido no tapete de entrada.
- Está bem homem? – perguntei eu, preocupado.
- Não sei bem – respondeu - , é que eu ainda não tenho
opinião formada sobre mim, por isso não sei do que sou capaz. Mas sou um
excelente vendedor de opiniões.
- Vá, deixe-se lá de tretas e venda-me lá alguma coisa. E
rápido, é que ainda tenho uma mosca para enterrar e a família não tarda nada
está aí a zumbir.
- O Sr. faz funerais a moscas?
- Elas não param de morrer, que quer que lhes faça?
- Deve ser do cheiro a álcool barato que se faz sentir por
aqui.
- Acha mesmo? E o Sr. percebe de moscas é?
- Não sei bem, esta opinião não é minha. Mas já a vendi e
usei uma ou duas vezes e há quem a use de vez em quando. Encontrei-a na
wikipedia. É muito boa esta opinião, e as pessoas que a usam fedem a prestígio
que é uma coisa louca.
- Humm...cá para mim você é um charlatão.
- Não duvide das minhas capacidades. Olhe, esqueça lá essa
do álcool. Eu tenho aqui um pack de opiniões que, se o levar, entra
directamente para o top 5 dos opinion makers.
- Mostre-me lá isso então.
- Está preparado? Olhe que isto é do melhor que anda no
mercado. Não há argumento para isto. Aqui vai: o casamento gay já foi aprovado
em Portugal ( estamos a evoluir, pois a seguir vem a liberalização das drogas,
a eutanásia e afins)...
- Eh lá! – disse eu – mas isso é tão vulgar. Olhe, estou a
começar a ficar com comichão na gaita e está ali um fulano de bigode farfalhudo
a apalpar as nalgas da D. Eulália. Estou com um bocado de pressa. Não me vai
vender nada, as suas opiniões são muito fraquinhas. Mas como eu sou boa pessoa
e estou com comichão na gaita, posso ficar com as suas opiniões e em troca
faculto-lhe meia dúzia de acentos graves, alguns agudos; troco-lhe uns “Cs” por
uns “Ss” e ainda lhe dou a oportunidade de me vender uma cana de pesca. Tem por
aí alguma?
- Não, mas aceito as suas ofertas. Sabe, estava mesmo a
precisar do que me está a oferecer. Assim já vou poder incluir nas minhas
opiniões algumas coisas novas, que desconhecia até agora.
- Vá-se lá embora. Pena não ter aí uma cana de pesca. Não
serve para nada homem! Agora saia, dê um mortal à retaguarda, bata palmas e
volte sempre.
Adormeci eram quase 4 da manhã. Fiquei a pensar naquele sonho
estranho. Pareceu-me tão real. Até as comichões na gaita estavam lá, e as
moscas, os funerais, a D. Eulália.
No dia seguinte éramos 3 à mesa: eu, a D. Eulália e o Juarez
(o do bigode farfalhudo).
A minha vida nunca mais seria a mesma...
Capítulo 5
A torneira pingava. O luar desaparecera. A luz do sol
coçava-me a fronha. Levantei-me da cama e fui fechar a torneira.
- George!! – chamou a D. Eulália.
- Estou a caminho – respondi.
E fui a caminho. Enquanto ia, pensava. Enquanto pensava, ia.
Fui, pensei. Como são belas as manhãs enquanto se vai e se pensa. Cheguei. O
pequeno-almoço estava servido. Cocei a gaita discretamente – a D. Eulália não
apreciava muito aquele gesto – e disse bom dia ao estranho de bigode
farfalhudo. Antes de me responder, virou-se para D. Eulália e segredou-lhe
qualquer coisa em japonês, depois virou-se para mim nestes termos:
- George, chamo-me Juarez e sei de cor as letras das músicas
dos Delfins.
Fiquei boquiaberto. Mas que homem tão erudito. Que bom é
sentarmo-nos à mesa e podermos, num segundo, pensar em paelha, Cristo,
sombreros, golfinhos e outras putarias do género.
Passamos uns belos momentos matinais em amena cavaqueira.
Falamos dos funerais das moscas, do clima no México, da performance sexual da
D. Eulália, dos azulejos do metro do Porto e tantos outros temas fascinantes
sobre os quais não me vou pronunciar.
Voltei para o meu quarto – a mosca que falecera na véspera
esperava por um digno funeral -, lembrei-me de África, de gnus, de ouro, do
capitão Jonh e de uma casa de alterne em Coruche. A vida é mesmo assim, cheia
de recordações que nos invadem e nos fazem esquecer o presente.
Depois do funeral voltei à cozinha. D. Eulália chorava – em
japonês - , Juarez tinha partido. Chorei. Parei de chorar. Voltei a chorar.
Joguei damas com a D. Eulália. Voltamos a chorar. É incrível como algumas
pessoas marcam as nossas vidas. Juarez e o seu faustoso bigode deixavam
saudades.
Encontramos uma carta de despedida por ele deixada.
Dirigia-se a nós neste termos:
“ D. Eulália, George: Determinadas situações provocam
sofrimentos inevitáveis com os quais não estamos habituados a lidar. As
questões que derivam destas problemáticas são, muitas das vezes,
incontornáveis. Dada a delicadeza do assunto em questão, peço-vos que, de
consciência livre, tomem uma posição de neutralidade face à controvérsia da
presente narrativa. Como tal, é meu desejo que se esqueçam da minha pessoa, e
de mim também. Vá, de ambos os dois.
Despeço-me com relativamente
pouca saudade,
Juarez”
Cocei a gaita como nunca tinha coçado até então – estava
nervoso.
Aquele homem dera-me uma nova perspectiva da vida.
Capítulo 6
Abracei-me a ela com tanta força que até soltei uma bufa.
Sentia-me mesmo bem assim, agarrado a Christine, naquele início de madrugada.
Ela, pressentindo o meu calor, voltou-se para mim. Voltei a cair dentro dos
olhos dela. Como era bela e moderadamente boa.
- Ah Christine...
Acordou!
- George!? Estás acordado, querido?
- Não consegui adormecer, estou com comichões na gaita. Já
sabes que é à noite que me ataca mais...
Christine olhou para mim como quem olha para um gajo com
comichões na gaita e disse:
- Queres efectuar o amor comigo? Há tanto tempo que não o
executamos, sinto necessidades, George. Ama-me toda, ama-me como se não
houvesse amanhã, ama-me como quiseres, ama-me como te for possível amares-me,
mas ama-me. Amas? Comes? Fodes?
Não me deixou responder. Agarrou em mim e começou a passear
a língua pelo meu corpo. Não retorqui! A porta do quarto abriu-se.
- Sarah? Que fazes aqui? – perguntei eu, espantado, enquanto
coçava a gaita.
- Também quero festarola. Saí agora do treino. Quero
brincar.
- Anda meu amor – disse Christine para Sarah – estamos mesmo
a começar.
Quando dei por mim havia duas línguas, quatro mãos, o mesmo
número de nalgas e de mamas...era tudo a dobrar. Elas agarravam-me enquanto se
agarravam, torciam-me enquanto se lambiam, faziam de mim o que queriam.
Senti-me imóvel, quieto, frio e, no entanto, viajava de corpo em corpo, tremia
no calor delas.
Olhei-me.
Não tinha perninhas, não tinha bracinhos, nem a gaita, nem
as comichões. Sem cabeça, sem boca, sem língua, sem nariz. Não era humano.
- Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh – gritei, aterrorizado.
Acordei!
Estava a ter um pesadelo.
Eu era um Dildo e a minha mulher continuava lésbica.
Capítulo 7
Não dormi mais nessa noite. Antes homem acordado do que
dildo a dormir!
A manhã tardou a chegar, mas chegou - vinha atrasada. Chovia
muito lá fora, cá dentro só um bocadinho. As bacias amparavam as gotas que
caíam ininterruptamente pelos cantos do quarto. Aquilo lembrou-me África. Não
que chovesse muito por lá, mas as bacias que amparavam a chuva do meu quarto já
eu as tinha visto a acomodar mangas fresquinhas, cheias de vida – alegre
retrato, distante. As bacias são mesmo assim, admiráveis recipientes que ora
nos alegram, ora nos entristecem.
Foi com este pensamento que peguei no telefone e marquei o
número da Christine.
- Estou sim? – Disse a voz do outro lado.
- Christine, preciso falar-te. – Disse a voz do lado de cá.
- Que se passa George!? Está tudo bem com a D. Eulália?
Pareces-me amargurado.
- Amargurado?! Ah...estou, um pouco. Emocionei-me com um
pensamento sobre bacias e deixei-me levar pelos sentimentos. Isto passa. Olha
lá Christine, tu ainda és lésbica?
- Oh George, francamente!
- Que foi? Foda-se. Perguntar não ofende, porra.
- Não é isso, George. Parece que me estás a perguntar se eu
ainda sou sócia da Blockbuster, ou se ainda pinto as unhas de vermelho, ou se
ainda tenho o mesmo carro. Coisas banais, entendes? Que falta de delicadeza a
tua. Não se trata de “ainda” ser lésbica, percebes? É-se, pronto!
- Falas assim porque nunca foste uma boneca insuflável a ser
usada por dois gajos. A realidade estou pronto para aceitar, agora o que me dá
comichão na gaita são os pesadelos que...
- Boneca insuflável? – interrompeu ela - Estás a falar de
quê, George? Quanto andas tu a beber?
- Olha, tenho de desligar. A PT só me dá chamadas de borla
até às 9 da manhã. São 09:03. Não vales o que estou a gastar nestes 3 minutos.
Desliguei.
Voltei a ligar-lhe.
- Estou sim?
- E agora, ainda és lésbica?
- VAI À MERDA GEORGE!! És um canalha, deixa-me em paz de uma
vez por todas. Bem o Juarez me tinha avisado que...
- QUEM?! Quem é que te avisou do...
A chamada caiu. Ela tinha-a feito cair. Tentei ligar-lhe
montes de vezes. Não me atendeu.
Juarez, Juarez, Juarez... ela mencionou o nome dele, tenho a
certeza! Como é que ela o conhecia? De onde? E o que poderá ter ele a ver com
isto tudo?
A D. Eulália, vou falar com a D. Eulália...
Capítulo 8
Atravessei rapidamente o corredor escuro que me separava da
cozinha. Olhei à minha volta e constatei que duas moscas haviam ali falecido.
Jaziam imóveis ao pé de um jarrão que trouxera de África - simples objecto
decorativo para mim, primeira morada na eternidade para aqueles infelizes
insectos. Pus o coração de parte e retomei o caminho da minha inquietude.
Precisava de falar com a D. Eulália.
Entrei na cozinha e encontrei-a a fazer o pino junto ao fogão.
- D. Eulália, nessa posição de nada lhe serve usar saia.
Preciso falar-lhe.
- Oh George, estou a ficar velha. Precisava de uma nova
perspectiva da vida e resolvi virar-me ao contrário. Sinto-me tão mais feliz
assim. Às vezes é preciso virar tudo do avesso para encontrar um sentido para a
vida.
- Com efeito. Olhe D. Eulália, preciso muito que seja
honesta comigo. Vou ser directo: quem é o Juarez e o que é que ele tem a ver
com as nossas vidas? A Christine mencionou o nome dele ao telefone, como é que
ela o conhece?
- A Christine falou no Juarez? É impossível. Impossível! Não
quero imaginar sequer que isso tenha acontecido. É impossível. Não...ele não
fazia uma coisa dessas. Ele prometeu-me que não a ia ver antes de voltar para o
México e...
- Diga-me o que se passa de uma vez por todas. Estou a
começar a ficar com comichão na gaita. Quem é esse homem?
As lágrimas apoderaram-se dos olhos de D. Eulália. Começavam
já a correr-lhe pela testa abaixo e a formar pequenas poças junto das mãos
firmemente coladas ao chão. Nunca tinha visto ninguém chorar daquela maneira.
Pessoas viradas ao contrário exteriorizam as emoções de uma forma magnífica.
- George – soluçou ela – o Juarez é um travesti mexicano
ligado a associações gays e lésbicas de todo o mundo. Conheci-o no Japão há
muitos anos num espectáculo de bailarinas exóticas. Telefonei-lhe há umas
semanas para saber como estava, sentia saudades dele. Não é todos os dias que
se encontra um travesti mexicano que sabe falar japonês, por isso ficamos
grandes amigos e nunca perdemos o contacto um do outro. Ele preocupou-se sempre
muito comigo e a dada altura dei por mim a desabafar com ele o que te tinha
sucedido. Contei-lhe que a Christine te tinha abandonado porque descobrira que
era lésbica, falei-lhe da tua dedicação às moscas e da comichão na gaita que te
acompanha desde criança. Ele manifestou-se particularmente interessado na
Christine e...bom...quando dei por mim estava aqui, na nossa casa, a apalpar-me
as nalgas. Ele queria levar a Christine embora, George! Ele queria qualquer
coisa com ela...
- Vou à casa da Christine – respondi, apressado - preciso saber o que se está a passar. Além
disso ela ficou-me com um disco dos Carmina Burana que tenho saudades de ouvir.
Saí de casa com o pensamento no 2001 Odisseia no Espaço. Mas
que belo aproveitamento é feito do tema “fortuna
imperatrix mundi: O Fortuna” neste filme. A imagem de um grupo de primatas
à pancada levou o meu pensamento de volta a África, o que por sua vez me
lembrou do jarrão que de lá trouxera e pusera no corredor onde jaziam as moscas
que aguardavam um digno enterro. É assim a vida, repleta de pedacinhos de
memórias que nos vão construindo a existência.
Cheguei à casa da Christine. A porta estava aberta. Cocei a
gaita e entrei, para dentro, e chamei por ela.
Não obtive resposta.
Percorri a casa e subi as escadas que davam para o quarto. Bati
à porta – embora ela nada tenha feito para que nela batesse – a violência
acontece assim, por uma merda qualquer. Do outro lado ninguém respondeu. Voltei
a chamar.
Silêncio.
Estranho – pensei.
Abri a porta e gritei horrorizado com o cenário que se
estendia diante dos meus olhos.
Christine jazia, morta, envolta no seu próprio sangue.
Em cima de uma pequena mesa, um sombrero e uma tanga.
- JUAREZZZZZZZZZZZZZZZ
Capítulo 9
Passaram duas semanas desde aquele fatídico dia. A tragédia
abateu-se sobre mim de uma forma absolutamente devastadora e a minha esperança
na raça humana dissipava-se a cada dia perante a insensibilidade e brutalidade
dos meus pares. O mal espera-se sempre que venha daqueles que não conhecemos, e
não daqueles com os quais partilhamos a vida espontaneamente. Assim fora com D.
Eulália, que varrera sem qualquer sentimento de humanidade as moscas que haviam
falecido no corredor lá de casa. Justificara-se com o facto de ainda não estar
habituada a tratar dos assuntos da casa de pernas para o ar, e que o domínio de
uma vassoura naquela posição não era tarefa fácil, tendo por isso arrastado os
malogrados insectos porta fora sem que tivesse dado conta.
Perder uma mulher para a morte que já havia perdido para a
homossexualidade estava eu pronto para aceitar, agora aceitar de ânimo leve que
se despojem daqueles pequeninos defuntos só porque a nossa vida está virada ao
contrário, não me parece razoável.
- Mais um whisky – pedi eu ao barman.
Dá-me para beber quando falecem moscas e esposas. A julgar
pelo ambiente que ali imperava, a tragédia não se abatera apenas sobre mim.
O comprido balcão do antro onde estava metido amparava vidas
afogadas em álcool. A um canto, um desgraçado sem graça gaguejava piadas
agarrado a uma prostituta anã. Achava-se o maior – e era, de facto, pelo menos
maior que a puta, mas mais pequeno do que a puta
com que estava. Do outro lado do bar, três porquinhos-da-índia de tamanho considerável
formavam a plateia do espectáculo que decorria. Uma bela virgem nórdica tocava
Cítara de uma forma absolutamente estonteante. Estava naquela altura a fazer um
cover da “Pussy”, dos Rammstein levando
a plateia à loucura – que guinchava em
delírio.
- Erm...Desculpe – disse um homem de meia-idade que acabara
de sentar-se ao balcão. Importa-se que me sente ao pé de si?
- Ora essa – respondi, enquanto coçava a gaita – faça favor.
Que tristes eram aqueles olhos, que peso carregava consigo,
que desgostoso era aquele semblante. Pedi dois whiskys e meti conversa.
- Vejo que não sou o único a quem a vida fodeu a vida.
- Oh amigo, nada do que lhe tenha acontecido pode ser pior
que o meu tormento – retorqui.
- Não diga isso. O que pode ser pior do que ter ficado viúvo
de uma lésbica assassinada por um travesti mexicano e não saber dos cadáveres
de duas alminhas idas deste nosso mundo para sempre?
- Oh...isso não é nada comparado com o que eu sofri. Você
ainda tem tempo e vida para recuperar dessa perda. A mim roubaram-me a alegria
de viver há já muitos anos. Não conseguirei nunca superar o que me aconteceu,
morri por dentro, para sempre.
- Mas o que foi que lhe aconteceu? Que tragédia o deixou
nesse estado?
O homem estava já lavado em lágrimas, vermelho, com as mãos
agarradas ao cabelo, puxando-o em total desespero...
- Conte-me o que se passou homem, vá lá. – insisti, enquanto
coçava agitadamente a gaita.
- A MINHA EX-MULHER LEVOU-ME A UM CONCERTO DOS DELFINS! –
berrou ele cheio de raiva e dor e ranho no nariz – DOS DELFINS, ENTENDE??
E saiu de rompante, deixando atrás de si um rasto de monco e
tristeza.
Aquilo lembrou-me a conversa que tivera semanas antes com o
Juarez. Ela tinha-me dito que sabia as letras todas de cor dos Delfins. A raiva
apoderou-se de mim. De repente, a ânsia por justiça invadiu-me e senti que
aquele era o momento de agir.
Precisava de encontrar o Juarez. Precisava de acabar com um
dos maiores fãs do grupo que arruinou a vida daquele desconhecido. Tinha que
vingar a morte da Christine e honrar as moscas que, devido às suas acções, não
tiveram um enterro digno.
México, aí vou eu...
Capítulo 10
Saí do bar eram quase 3 da manhã. Do desgraçado com quem
tinha conversado, nem sinal! Atrás de mim saíram os três porquinhos-da-índia,
completamente embriagados. Iam na direcção oposta à minha, e ao longe ainda os
avistei a montarem-se uns no outros. Era um menáge
bem colorido aquele! Entraram num táxi e foram à vida deles.
Torneei o parque à luz escassa da Lua. Aqui e ali, casais de
namorados ávidos de amor tocavam-se na penumbra. Ao passar perto de um deles, o
gajo levanta-se mesmo com cara de quem se vai peidar. Não se peidou e eu
continuei o meu caminho.
O parque da cidade recebia o circo nesse fim-de-semana.
Ainda estava aberto. Ao fundo, numa das tendas, um gajo berrava:
- Venham, venham! Por 3 euros vejam Jesus Cristo em patins.
Venham!
Aquilo chamou-me a atenção. Peguei nos 3 euros e paguei ao
gajo. Perguntei-lhe:
- Ouça lá, aí dentro está mesmo o Cristo em patins?
- Veja por si mesmo – ladrou ele.
Entrei, para dentro, e cocei a gaita. Fico com comichões
quando estou perto de gente que não existe, e mesmo quando estou à beira de
quem existe.
La dentro cheirava a mijo. Sete gajos de aspecto miserável
olhavam para uma jaula onde um fulano de barbas, de tanga vestido e coroa na
cabeça patinava no gelo de uma forma absolutamente magistral. Aplaudi o artista
e passei a acreditar em deus. Afinal o charlatão cobrava-se, mas Jesus existe.
E patina!
Saí dali cheio de fé e comichão na gaita, revigorado para
empreender a tarefa que tinha em mãos. Tinha que encontrar o Juarez.
Dirigi-me para casa. O silêncio da noite era ensurdecedor.
Lembrei-me de África, do seu silêncio, das caçadas ao elefante com o capitão
Jonh, do marfim e do Mário Soares. Como era bonita a felicidade dos senhores de
avental enquanto dançavam a “I Remember the Time”, do Michael Jackson. Até
Nefertiti bailava no túmulo!
Cheguei a casa e deitei-me.
Capítulo 10 e um terço
Na manhã seguinte acordei e pus-me a matutar no impacto que
a imagem de Cristo a patinar produziu em mim. Levantei-me e acendi um cigarro.
Eram 9 e meia e eu estava descalço.
Calcei-me e dirigi-me para a cozinha. D. Eulália lá estava,
de pés no ar e a assobiar.
- Bom dia George – saudou-me ela – a que horas partes?
- O voo é às 19 – respondi.
- Vou contigo, George. Não te posso deixar ir sozinho. Fui
eu que meti o Juarez nas nossas vidas. Quero encontrá-lo tanto quanto tu!
- Está bem – respondi – mas olhe, não a deixam embarcar
nessa posição. Tem de virar-se ao contrário.
- Hum...está bem. Eu já estava a pensar virar-me há algum
tempo. Quando estou no banho molho sempre o cabelo nesta posição, e há dias em
que não quero molhá-lo. É chato. Está combinado então, vamos juntos para o
México encontrar aquele filho da puta!
- Vá, faça a mala então – respondi enquanto coçava a gaita.
Ela saiu e eu fiquei.
Apaguei o cigarro e espreitei pela janela. O sol brilhava no
céu.
Que belo dia! – pensei.
Saí, para fora, e a brisa fresca da manhã tocou-me nas
fuças. Lembrei-me do Chinaski e da história que ele me tinha contado sobre um lutador
de boxe americano. “O gajo era um bêbado pá” – dizia ele, empolgado – “ia
combater a cair de bêbado, e ganhava sempre, o cabrão! Franzino, não podia com
um murro, mas bêbado era o maior. Fodia-os a todos!”
Ah Chinaski – pensei – és um mentiroso do caralho.
Voltei a entrar, para dentro, e fui-me encher de whisky.
Pela manhã é quando sabe melhor.
Dormi o resto da manhã.
Capítulo 11
O dia já ia a meio quando acordei. Ao longe ouvia um
burburinho estranho. O som vinha da sala. Aproximei-me e comecei a ouvir vozes,
uma era da D. Eulália, as outras duas não reconheci.
Estranho – pensei.
Abri a porta e todos se voltaram para mim. Sentados no sofá,
dois homens de meia-idade com cara de quem não fodiam há um bom tempo olhavam-me
com cara de dois homens de meia-idade que não fodiam há um bom tempo. Tinham
vestidos fatos negros, camisa negra, gravata negra, meias negras, tudo negro.
Talvez fosse assim a vida de quem não fode há muito tempo – negra! Carregavam
um olhar preocupado e estavam a beber um chá que a D. Eulália lhes tinha
oferecido.
- Sente-se, George – disse um deles.
Sentei-me.
- O meu nome é Harris. Sou do FBI e tenho uma hérnia, um
pónei e gosto de corridas de cavalos. Sabemos que tem uma viagem marcada e
sabemos ao que vai. Vimos aqui impedi-lo.
- O quê??! Vêm impedir-me? Mas por que caralho é que vocês
acham que uns merdas com a vossa fronha me vão impedir de fazer seja o que for?
– respondi coçando vigorosamente a gaita.
- Acalme-se. Nós estamos do seu lado. Só queremos ajudar.
- George – disse a D. Eulália –, o Harris e o Jacob são
amigos da família. São um bocado abichanados, mas estão filiados ao Partido
Socialista e têm lojas secretas no sul
de Itália. Os pais fizeram fortuna com o Ambrosiano, pela graça de deus, e eram
gente santa.
- Quero lá saber dessa gente. São todos uma cambada de
maçónicos homossexuais e enfezados à procura de tacho. Quero que vocês se
fodam, ouviram? Desapareçam-me da frente senão mato-vos!
Mal acabo de dizer isto, um deles puxa da arma e aponta-a à
D. Eulália. Eu sabia que estes gajos não eram boa gente. O outro vem na minha
direcção de arma em riste e espeta-me uma cronhada tão forte que juro ter visto
deus a apontar-me o dedo.
Acordei num avião particular que mais parecia o Moulin
Rouge. Ao meu lado a D. Eulália dormia. À minha frente, Harris e Jacob
acariciavam um pequeno potro que relinchava de satisfação. Tentei levantar-me.
Estava preso!
- Olá George – disse uma voz por detrás de mim -,
encontramo-nos mais cedo do que julgavas.
Com um vestido de lantejoulas dourado e um faustoso bigode,
Juarez movimentava-se pelo corredor do avião com uma elegância sublime. Os seus
passos faziam-se ouvir à medida que os tacões altos batiam no chão do avião.
Atrás de si, pequenas nuvens de fumo da sua altiva cigarrilha desvaneciam-se no
espaço. Aquilo fez-me lembrar uma gaiola com araras que eu tivera em África.
Fechei-as e não as deixei voar, agora estou a voar com elas.
A vida é mesmo assim, um acaso feito de putarias de todas as
formas.
Capítulo 12
O avião levou-nos até ao México. Durante o resto da viagem
aconteceu de tudo um pouco. Juarez manteve o mistério acerca do motivo pelo
qual nos tinha raptado. Disse apenas que nos manteria vivos enquanto precisasse
da D. Eulália, motivo que o levou a enviar Harris e Jacob para nos capturar. Eu
era apenas um dano colateral de toda a operação, quem eles queriam era ela.
Morreria assim que lhes apetecesse, e avisaram-me que a qualquer movimento
suspeito não hesitariam em enfiar-me um balázio. Aquilo parece que não mas foi
fodido de ouvir. Primeiro porque comecei a desconfiar da D. Eulália. Mas o que
raio é que ela tinha a ver com tudo isto? Depois porque era ainda mais fodido
ter a vida nas mãos de um travesti mexicano que assassinara a minha mulher. E
depois porque o cabrão, enquanto falava, apalpava-me todo e deitava-me o fumo
da cigarrilha para os olhos, enquanto à minha frente dois panascas rejubilavam
com um potro que relinchava excitado. Como compreenderão, não é propriamente o
sonho de todos os gajos acabar a vida numa situação destas.
A certa altura o telemóvel do Harris tocou. Era o Ratzinger
a mexer os cordelinhos com o pessoal do FBI. Pelo que percebi estava a
pedir-lhes para terem especial atenção com meia dúzia de bispos americanos que
parece que estavam envolvidos em casos de pedofilia. Acho que os gajos sabiam
umas merdas importantes que se tinham passado nos anos 70 e tinham-no ameaçado
que se fossem dentro abriam a matraca. Sabem como é, quanto mais se mexe na
merda pior ela cheira. De maneiras que a coisa passou-se assim, sem grandes
novidades.
Aterramos numa pista privada no meio de um intenso arvoredo.
A noite estava cerrada no berço dos cartéis mafiosos. A lua brilhava no céu, o
Jacob soltou um primoroso peido que ecoou nos ares, o Harris riu-se e um mocho
piou.
A D. Eulália continuava dormente. Devem ter-lhe dado
qualquer coisa que a pôs drogada, mas sem divertimento. Harris e Jacob encarregaram-se de a apear em
braços. Eu estava entregue à besta travestida que seguia atrás de mim com uma
arma apontada às minhas costas. Pelo menos eu queria acreditar que era uma
arma. Era dura e estava encostada a mim numa zona que poderia estar à altura de
outra coisa qualquer, bem entendido! Aquilo provocou-me uma terrível comichão na
gaita. O potro e a tripulação ficaram a bordo. O primeiro dormia a sesta
pós-coital, os segundos saltavam à corda.
Tinha que arranjar maneira de escapar dali. Afinal, eles
matar-me-iam de qualquer das formas...
Capítulo 13
Seguíamos por um estreito caminho de terra batida à luz
escassa da Lua. A densa folhagem atravessava-se no nosso caminho e
dificultava-nos a marcha. Jacob e Harris seguiam à minha frente com a D.
Eulália em braços. Eu seguia à frente do Juarez, que continuava de arma em
riste e com um sorriso nos lábios. A cada 3 passos tropeçava. Percebia-se que
não estava habituado aos tacões altos e às erecções em solo mexicano.
Chegámos a uma clareira onde encontramos 3 mariachis à volta
de uma fogueira a tocar a la cucaracha. O Jacob propôs juntar-se-lhes para
juntos recriarem a música, sendo ele o intérprete e propondo-se a cantar o tema
em hebraico. Eles recusaram e seguimos o nosso caminho, não sem antes o Harris
lhes ter lançado um feitiço que, segundo ele, os faria comer o próprio bigode
sem a ajuda das mãos – este pessoal da maçonaria é mesmo assim, ou e como eles
querem ou fodem meio mundo -, e assim foi. Os mariachis começaram a tentar
trincar os bigodes com o maxilar inferior em movimentos estonteantes. Um deles
já tinha alguma prática, e numa questão de segundos enfardou mais pêlo do que
os homens do século XVIII ao fazerem os seus minetes às suas damas peludas.
A bicha travestida ordenou que seguíssemos o nosso caminho,
e assim foi. Depois de cerca de 1 hora de caminho demos de frente com um portão
de grades altas, ladeado por dois muros sem fim, que se perdiam no nevoeiro.
Por entre as grades conseguia ver dois homens vestidos de negro. Tinham mesmo
cara de quem tinha acabado de mandar uma foda e estavam envoltos num
enternecedor abraço. Faziam promessas de amor eterno quando deram por nós. À
direita, na coluna do muro, por cima da campainha, uma enorme placa em letras
douradas informava: “ Foi nesta propriedade que, no ano de 2008, os governos
europeus, o governo dos EUA, a maçonaria e os Bilderberg assinaram e
viabilizaram a canalização de 500 milhões de dólares provenientes dos cartéis
de droga mexicanos para a ajuda financeira aos bancos que sofreram com a
crise.”
Aquilo emocionou-me. Enquanto subia o amplo caminho que nos
levava a uma moradia principesca, dentro da propriedade, não pude deixar de me
sentir orgulhoso por saber que estava a pisar o mesmo chão que outrora havia
sido pisado pelos responsáveis máximos do futuro da humanidade. E quão nobres
eram as suas intenções!
Perdido nestes pensamentos, dei por mim a acordar para a
realidade. Cocei vigorosamente a gaita e reconsiderei o que havia pensado
anteriormente: eu não podia abandonar a D. Eulália, mesmo suspeitando dela.
Tinha que saber o que se estava a passar. Precisava de
descobrir os motivos que tinham levado o Juarez a matar a Christine, bem como
apurar as causas do envolvimento da D. Eulália nesta merda toda.
Olhei para trás e os seguranças da propriedade haviam
começado, de novo, a copular.
Capítulo 14
Ainda não tinha dado meia dúzia de passos quando voltei a
virar-me para trás. Um guincho agudo ecoou no silêncio da noite – um dos
seguranças acabara de atingir o orgasmo com uma pedra e ...(humm...piada brejeira
com as palavras “atingir” e “orgasmo”- nota: de fraquinha qualidade; não voltar
a usar) ... de atingir o orgasmo e exibia um rosto rubro e extasiado. Foram 3
ou 4 segundo intensos, a julgar pela expressão do homem que, pelo que vim a
saber mais tarde, era grande apreciador do tema “I come to fast”, do Jon
Lajoie. Arrumaram as pilas para dentro dos Armani negros que vestiam e
começaram uma apaixonada discussão acerca da nova decoração da guarita.
Eu segui o meu caminho.
Entrei, para dentro, seguido de perto pelo Juarez. Na sua
cara desenhara-se um sorriso obliquoso, motivado, por certo, pela cena a que
acabara de assistir entre os seguranças. Sussurrou-me qualquer coisa ao ouvido
e eu fiz de conta não perceber. Insistiu. Percebi a insistência. Soquei-o no
sítio onde ele devia ter os tomates. Gemeu. Harris e Jacob voltaram-se de
imediato, deixando a D. Eulália caída no chão. Amarraram-me pelos braços e
levaram-me para uma divisão contígua ao hall onde nos encontrava-mos. O Jacob,
nervoso, começou logo com os tiques do costume: primeiro começou por abanar as
orelhas enquanto enfiava ininterruptamente o dedo mindinho na narina esquerda,
revirando os olhos num movimento doentio enquanto tentava comer a própria
língua. Depois virou-se para o Harris e começou a declamar Shakespeare em
castelhano. O Harris, por sua vez, agarrou-se a mim a chorar e disse que queria
morrer. Não morreu; nem o Jacob sabia castelhano. Juarez assistia a tudo com o
mesmo sorriso de há instantes. Via-se que adorava ter o controlo de tudo, que
gostava de mandar, de ver o espectáculo de cima e participar apenas quando lhe
conviesse.
Um barulho ensurdecedor cortou esta cena. Outra virá:
Dezassete cortesãs entraram na sala a dançar – uma delas era coxa, as outras 16
assobiavam. A que não assobiava e era coxa era também grande apreciadora de
luta greco-romana, pelo que me deixei ficar na conversa com ela durante uma boa
meia hora. Haris e Jacob amuaram; Juarez saltava à corda com duas das
bailarinas – Nastácia e Filipovna – que numa outra história Idiota eram a mesma
mulher, viviam em S. Petersburgo e tinham um feitio doentio. A D. Eulália tinha
acordado entretanto e estava sentada no colo de uma holandesa - que era órfã
desde os 7- a ensiná-la a tricotar. Ela sorria, mas depois desatou a chorar.
Vim a saber mais tarde que as agulhas de tricô lhe recordaram a morte dos pais,
que haviam falecido devido a uma overdose de heroína. A restante malta desta
cena eram apenas figurantes, e nada de interessante sobre as suas vidas havia
para contar. À excepção de uma delas, vá...que era vidente e percebia de
suinicultura.
Havia drogas nesta sala, e o George desviou-se do seu
percurso...